GEOMETRIA FOTOGRÁFICA

 Toda mensagem tem uma tripla leitura: fala do objeto, fala do sujeito e nos fala do próprio meio. Para a fotografia, essas três facetas foram denominadas graficamente por Joan Costa como olho objeto e objetiva. A existência desses três aspectos não implica necessariamente um equilíbrio entre eles, mas, como se de três coordenadas se tratasse, toda mensagem se posicionaria em um ponto determinado por proximidade ou afastamento dessas três referências.[1]

O texto acima está no artigo Pecados Originais, do livro O beijo de Judas, Fotografia e Verdade, de Juan Fontcuberta.

Ao ler este parágrafo, talvez pela minha formação original de cunho matemático, comecei a imaginar que cada imagem poderia ser plotada como um ponto num espaço tridimensional, segundo a leitura do observador, considerando estes três parâmetros como coordenadas. Para clarear as ideias, na origem, estão todas as imagens fotográficas que ainda não foram feitas, podemos então nos concentrar nas imagens fotográficas que já foram feitas.

Da forma como entendo, o eixo X representará o sujeito, o olho, ou seja, a quantificação das opções do fotógrafo presentes na imagem. O eixo Y representará o meio, a objetiva, ou seja, a quantificação da importância do equipamento específico utilizado na produção da imagem. E, finalmente, o eixo Z representará o objeto, ou seja, a quantificação da importância do que está sendo fotografado.

Aqui vale um desvio. Edgar Moura, no livro 50 Anos, Luz, Câmera e Ação, faz o relato do encantamento causado pelo ensaio de Bettelheim, tendo por base as fotos de Engelman do escritório de Freud, sem nunca ter estado lá. O ensaio não trás nenhuma foto e o autor ao refletir sobre o porquê desta decisão, chega a conclusão que a publicação do ensaio com as fotos acabaria por cancelar a magia de ambos. Como o meu texto não trará o encantamento do de Bettelheim e, as imagens que utilizarei não têm a importância histórica das de Engelman, vou me dar o luxo de manter o vezo e ilustrar as definições do parágrafo anterior por uma imagem, que “vale mais que mil palavras” [SIC].


Para facilitar a nossa vida, podemos criar uma padronização e limitar as escalas destes três eixos entre 0 e 100%. Assim, cada um pode, ao analisar uma imagem, atribuir valores à cada uma das características, de forma que totalizem 100%. Nesta perspectiva, uma imagem “equilibrada” deveria ter 33,33% de cada uma das características. Imagens que apresentem apenas uma das características não podem existir, sempre teremos alguma coisa das outras duas características. Quanto mais perto de um dos eixos maior a importância daquela característica na imagem final. Vamos exemplificar.

Abaixo vemos a imagem de Josef Nicéphore Niépce de 1826, segundo consta a primeira imagem gravada permanentemente.

Figura 1 - View from the Window at Le Gras, a primeira fotografia da história / Crédito: Wikimedia Commons

Esta vista da janela da casa de Niépce em Saint-Loup-de-Varennes, na França, deve ter tido um tempo de exposição de dias, segundo pesquisadores que refizeram o processo de Niépce, obviamente tanto o objeto mostrado como a marca do autor, têm importância menor nesta imagem, o meio é o que importa. Para plotar esta imagem eu daria peso 2% para o olho, 97% para a objetiva e 1% para o objeto. Lembrando sempre que esta pontuação é pessoal e cada um pode estabelecer a sua.

Vamos agora pontuar uma outra foto icônica, a foto de Charles Baudelaire, de 1855, tirada por Felix Nadar.

Figura 2 - Charles Baudelaire por Félix Nadar - Sothebys, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=50132203

Nesta foto o principal é o objeto, seguido pela marca pessoal do autor e por último pelo equipamento utilizado. Óbvio que nesta época o equipamento e o processamento da imagem ainda tinham grande importância na obtenção da imagem. Eu daria a seguinte pontuação 25% para o olho, 20% para a objetiva e 55% para o objeto.

Fiz um gráfico plotando estes dois exemplos na figura a seguir e tracei um plano que mostra todas as possíveis posições de imagens seguindo o critério estabelecido neste artigo.


Para terminar, algumas especulações sobre o preenchimento deste plano ao longo do tempo. No início da história da fotografia, as imagens deveriam dar ênfase à Objetiva (o equipamento) e de forma secundária ao Objeto. A medida que o tempo passa e a fotografia passa a ser mais difundida o Objeto passa a ter maior relevância, porém as características pessoais de fotógrafo, o Olho, começam a ser notadas. O desenvolvimento tecnológico e a popularização das imagens fotográficas trazem novamente maior peso à Objetiva e ao Objeto; atualmente, nas redes sociais o próprio fotógrafo é o Objeto da imagem. Por este ponto de vista, as imagens mais raras vão se afastar do plano Objetiva x Objeto, e dar ênfase ao Olho, a marca pessoal do fotógrafo.

 

Eduardo França

Vila Nova de Gaia, 05 de outubro de 2021











[1] O beijo de Judas, Fotografia e Verdade, Juan Fontcuberta

 

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